sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Alter.

Ao longo da vida estamos sempre tendo possibilidades de encontro com o outro e conseqüentemente, possibilidades de crescimento. Porém, aprender que as fontes que nos geram sofrimento, nos fazem em algum momento crescer, é mais difícil do que se imagina (eu nunca imaginei que seria tão complicado) . No entanto, penso que se faz necessário para não passarmos pela vida sem tê-la vivido em toda a sua essência. Sofrer, assim como ser feliz, nos torna inteiros nessa existência que só é possível porque estamos abertos para o outro e para tudo que ele traz consigo. Ai, de repente, nasce essa tal da alteridade (risos). Nas palavras de Luís Cláudio Figueiredo:

"Ora, sustentar-se nesse existir no mundo – e só assim se existe – exige um espaço de separação e recolhimento, de proteção, que não encerre o existente em uma clausura, mas lhe ofereça uma abertura limitada (portas e janelas) a partir do qual sejam possíveis encontros – saídas e entradas – em que se reduzam os riscos dos “maus encontros” [...]. Portas e janelas por onde uma verdadeira alteridade possa insinuar-se e eventualmente impor-se. "


E é nesse encontro com o outro que eu posso enfim, ser eu mesma e, ainda assim, não ser nunca a mesma.



sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Será assim.

"Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá." (Ítalo Calvino)

E aos poucos a gente vai saindo daquele beco escuro que parecia não ter mais fim. Começamos a por os pés na terra e alimentar nossa raiz com nós mesmos... Descobrimos que o corpo que pesava, imerso naquela penumbra, é o mesmo que nos ergue e que nos mantém sustentados para seguir. Ai então é hora de olhar para dentro. Sentir toda a tristeza de um fim, toda a angústia de um luto e toda a imensidão de um recomeço. Mais fortalecidos da dolorosa queda, pegamos toda a nossa bagagem – aquela que tínhamos antes de viajar – Juntamos com o que podemos levar daquele marcante lugar e pegamos um vôo para um destino que é incerto.
Certos de que não somos mais os mesmos, seguimos vivendo. E começamos mais uma vez, prontos para vermos o sol nascer, a tarde cair... Para estarmos inteiro em outros lugares ainda não desvelados e para inclusive, não termos medo de cair de novo.

domingo, 13 de setembro de 2009

Água tônica de Quinino.


Uma doce definição: Quinino – fórmula originada num desses laboratórios que mais parece um boteco de Salvador, mais precisamente na região da cidade baixa e mais precisamente ainda, que fica lá no alto donde se vê uma visão do mar de ilusões em um belo fim de tarde. Surgiu de repente entre risadas, olhares e paixão que não é mais. Aquela água tônica na lata amarela não sabia disso... Mas o quinino de ante ontem não compõe mais sua fórmula de existir enquanto líquido que penetrava nas nossas gargantas, estômago, alma e coração que batia forte com os seus efeitos mágicos. Depois daquele fim de tarde veio a noite, a ventania, o frio e a tempestade. Difícil foi entender que aquele conceito não o era! Foi jogado no lixo sem explicações reais. Mas pra quê explicações se ali não tinha mais verdade? Deita. Durma aí! Não discuta comigo e deixa de ser criança. Acorda! Põe os pés no chão e aprenda a caminhar e entender que não existem fórmulas e nem tampouco fórmulas mágicas. Talvez a vida seja uma bebida mesmo, mas, ela não será doce o tempo inteiro. Entenda que isso tem uma importância! Como você descobriria o doce se não conhecesse o amargo? Levanta! Entra no Google, na estrada... Olha para frente a ache uma definição real para uma vida real:
Quinina (fórmula química: C20H24N2O2) é um alcalóide de gosto amargo que tem funções antitérmicas, antimaláricas e analgésicas. É um estereoisômero da quinidina. O sulfato de quinina é o quinino. É extraída da quina.A quinina, pó branco, inodoro e de sabor amargo, é uma substância utilizada no tratamento de malária e arritmias cardíacas. Além de ser um fármaco é utilizada como flavorizante da água tônica.
É... É amargo mesmo. Mas não deixe de sonhar nem de ser inteiro. O amargo é mesmo ruim... Mas a vida com seus doces mistérios pode nos surpreender sempre. Acredite! A gente pode estar acordado, com os pés fincados no chão e ainda sim aprender a ser feliz. Mesmo que para isso tenha que sentir muitas vezes o gosto amargo de uma bebida que outrora foi incrívelmente doce.

Poema em linha reta

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.